A MINHA FILHA E O MEU GENRO MORRERAM HÁ 2 ANOS ATÉ QUE UM DIA, OS MEUS NETOS GRITARAM: «AVÓ, OLHA, É A NOSSA MÃE E O NOSSO PAI!»
A minha filha e o meu genro morreram há dois anos. Mas então, num dia como outro qualquer, os meus netinhos soltaram um grito que me atravessou a alma: «Avó, olha, é a nossa mãe e o nosso pai!»
Estávamos na praia da Costa da Caparica, os miúdos a brincar na areia, quando apontaram para um café ali perto. O coração saltou-me do peito quando disseram aquilo. O casal sentado à mesa era a imagem viva dos pais deles, desaparecidos há dois anos.
O luto muda uma pessoa de formas imprevisíveis. Alguns dias, é um peso surdo no peito. Noutros, bate-nos como um murro, sem aviso.
Naquela manhã, na minha cozinha em Lisboa, a segurar uma carta anónima, senti um misto de esperança e terror.
As mãos tremiam-me ao reler as palavras: «Eles não se foram de verdade.»
O papel branco parecia queimar-me os dedos. Pensava que já tinha superado o pior, que estava a reconstruir uma vida estável para os meus netos, o Rodrigo e a Leonor, depois de perder a minha filha Joana e o marido dela, o Diogo. Mas aquela nota fez-me perceber o quão longe estava da realidade.
Tiveram um acidente há dois anos. Lembro-me da dor quando o Rodrigo e a Leonor me perguntavam onde estavam os pais e quando é que voltavam.
Demorou meses a fazê-los entender que a mãe e o pai nunca mais regressariam. Partiu-me o coração dizer-lhes que teriam de aprender a viver sem eles, mas que eu estaria sempre ali.
Depois de tudo, receber uma carta anónima a sugerir que a Joana e o Diogo estavam vivos era como um pesadelo.
«Eles não se foram?» murmurei, deixando-me cair numa cadeira. «Que jogo cruel é este?»
Ia deitar a carta fora quando o telemóvel vibrou.
Era o banco, a avisar de uma compra feita com o cartão da Joana, que eu mantivera ativo por puro desespero.
«Como é possível?» murmurei. «Esse cartão está numa gaveta há dois anos. Quem o usou?»
Liguei para o banco imediatamente.
«Bom dia, sou o Rui. Em que posso ajudar?»
«Preciso de confirmar a última transação no cartão da minha filha», disse, a voz trémula.
Expliquei-lhe a situação, e após um silêncio, ele respondeu cautelosamente: «Lamento muito, senhora. Não há registo de transações recentes nesse cartão físico. A compra foi feita com um cartão virtual associado à conta.»
«Um cartão virtual? Nunca criei nada disso!»
«São independentes do cartão principal. Quer que o desative?»
«Não mantenha-o ativo, por favor. Pode dizer-me quando foi criado?»
Outra pausa. «Foi uma semana antes da data presumida do falecimento da sua filha.»
Um arrepio percorreu-me a espinha. Desliguei e liguei à minha melhor amiga, a Sara, contando-lhe tudo.
«Isso é impossível», disse ela. «Deve ser engano.»
«Alguém quer fazer-me crer que a Joana e o Diogo estão vivos. Mas porquê?»
A compra era insignificante23,50 num café em Cascais. Parte de mim queria investigar, mas outra parte tinha medo do que iria encontrar.
Decidi ir ao café no fim de semana, mas o que aconteceu no sábado mudou tudo.
Estávamos na praia, os miúdos a correr na areia, quando o Rodrigo gritou:
«Avó, olha!» E apontou para um café à beira-mar. «É a nossa mãe e o nosso pai!»
O coração parou. A uns trinta metros, estava uma mulher com o cabelo pintado e o jeito da Joana, inclinada para um homem que era a cara do Diogo.
«Fica com os miúdos», disse à Sara, a voz urgente.
Aproximei-me do casal, mas eles levantaram-se e seguiram por um caminho de areia entre as dunas. Segui-os à distância.
Falavam e riam. Ela puxou o cabelo para trás da orelha, como a Joana fazia. Ele coxeava ligeiramente, tal como o Diogo.
Então, ouvi-os.
«É arriscado, mas não tínhamos escolha, Inês», disse ele.
Inês? Porque é que a chama Inês?
Entraram num pequeno chalé escondido entre as vinhas.
Liguei para a PSP. Enquanto esperava, aproximei-me da porta e bati.
Silêncio. Passos.
A porta abriu-se, e lá estava a Joana. O rosto dela empalideceu.
«Mãe? Como como nos encontraste?»
Antes que pudesse responder, o Diogo apareceu atrás dela. As sirenes aproximavam-se.
«Como é que puderam fazer isto?» A minha voz tremia de raiva. «Sabem o que nos fizeram passar?»
A polícia chegou. Dois agentes aproximaram-se.
«Vamos ter de fazer algumas perguntas», disse um deles. «Isto não é algo que se veja todos os dias.»
A Joana e o Diogo, agora Inês e Tiago, começaram a contar a história aos bocados.
«Não devia ter sido assim», disse a Joana, a chorar. «Estávamos desesperados. As dívidas, os agiotas ameaçavam-nos. Não queríamos envolver os miúdos.»
O Diogo suspirou. «Pensámos que, se desaparecêssemos, eles teriam uma vida melhor. Foi a coisa mais difícil que já fizemos.»
Admitiram ter fingido a morte para fugir aos credores, mudando de cidade e de identidade.
«Mas não aguentei», confessou a Joana. «Precisava de os ver. Alugámos este chalé só para ficar perto.»
O coração partia-se, mas a raiva fervia. Havia outro modo. Tinha de haver.
Chamei a Sara, que trouxe o Rodrigo e a Leonor. Os miúdos correram para os pais, radiantes.
«Mãe! Pai! Sabíamos que iam voltar!»
A Joana abraçou-os, soluçando. «Oh, meus amores peço-vos perdão.»
Observei, murmurando: «Mas a que custo, Joana?»
A polícia permitiu um breve reencontro antes de os levar. O agente principal olhou para mim, compassivo.
«Lamento, mas enfrentam acusações graves.»
«E os meus netos? Como é que lhes explico isto?»
«Isso é consigo», disse ele. «Mas a verdade acabará por vir à tona.»
Mais tarde, em casa, peguei novamente na carta anónima.
«Eles não se foram de verdade.»
Tinham razão. A Joana e o Diogo não se tinham idotinham escolhido ir-se. E isso, de algum modo, doía mais do que a morte.
«Não sei se conseguirei protegê-los da dor», murmurei para o vazio da sala. «Mas hei de tentar.»
Agora pergunto-me: devia ter chamado a polícia? Será que devia tê-los deixado seguir a vida que queriam? Ou fiz bem em mostrar-lhes que estavam errados?
O que fariam no meu lugar?


